Pra começar, o que é essa tal economia dos cuidados?
Para falar da vida das mães, e particularmente das mães solo, é preciso entender o que é a Economia dos Cuidados. Ela se refere a todas as atividades exercidas por uma pessoa para garantir a manutenção da vida na nossa sociedade. Envolve cuidar diretamente de quem não consegue se cuidar sozinho/a (crianças, idosos ou doentes), as pré-condições para que esse cuidado aconteça (comida na geladeira, casa limpa, etc), a gestão dessas atividades e o autocuidado (que muitas vezes fica sem espaço considerando os outros três).
Esse conjunto de tarefas é desenvolvido a partir de uma estrutura social que se atualiza independente dos cenários. Os papéis de gênero são fundamentais para determinar quem faz o quê. É desta forma que, segundo a OIT (2018), as mulheres são responsáveis por 76,2% das horas de trabalho não remunerado.
E esse processo é muitas vezes exaustivo: o ato de cuidar requer tempo, paciência e, principalmente, dedicação. Às vezes são tantas as demandas, que quem cuida não tem tempo para si e se torna uma extensão das outras pessoas. As escolhas próprias são deixadas de lado. Os momentos de privacidade e sossego também.
Mais do que uma crise sanitária, a pandemia da covid-19 desencadeou uma piora na assistência a economia dos cuidados. Aquele sonho de que o homeoffice resolveria o dilema das mães em relação à conciliação entre trabalho e filhos/as foi por água abaixo. Ainda que dentro de casa, as mães sofreram um impacto ainda maior em suas jornadas.
E então quem cuida de quem cuida?
Essa pergunta circulou em 2020 por diversos estudos, inclusive foi um dos gatilhos do Projeto Mães em Quarentena, do qual participamos ano passado. Mas esse é um tema que já vem sendo levantado há algum tempo no Brasil, sem muita evolução. A desigualdade entre homens e mulheres, negros e brancos, pobres e ricos impacta diretamente a economia de cuidados. E o conceito de cuidado é historicamente concentrado dentro da vulnerabilidade desses grupos, por isso é tão importante que esteja dentro da pauta das políticas públicas.
Em 2016, o Instituto de Pesquisa Aplicada emitiu o Marco Teórico-conceitual da Economia dos Cuidados. Segundo a própria organização, o intuito era propor reflexões sobre como:
“esse sistema de organização dos cuidados limita as possibilidades de participação social das mulheres e estrutura diversos aspectos da sociedade brasileira”
Em resumo, a pesquisa também apontou que “a delegação quase que exclusiva às famílias e, nestas, às mulheres, de atividades relacionadas à reprodução da vida e da sociedade, usualmente nominadas trabalho de cuidados ou care”. Os impactos legislativos diante destas informações, no entanto, não foram para frente.
A deputada Ana Perugini (PT-SP) apresentou, em 2017, o PL 7815, que estimulava
“a inclusão da economia do cuidado no sistema de contas nacionais, usado para aferição do desenvolvimento econômico e social do país para a definição e implementação de políticas públicas”
Entretanto, foi arquivado. Em junho de 2020, os parlamentares Maria do Rosário (PT-RS), Rejane Dias (PT-PI) e Camilo Capiberibe (PSB-AP) apresentaram o PL 3022, que buscava “estabelecer a criação do auxílio-cuidador para a pessoa idosa e/ou com deficiência que necessite de terceiros para realização das atividades de vida diária e dá outras providências”. A ementa ainda corre no plenário, tendo sua última atualização no mês passado, mas sem novidades sobre.
Uma vez que não há políticas públicas que apoiem essa discussão, os fatores pandêmicos impactaram a nossa estrutura social em diversos âmbitos. Sobrecarregou ainda mais mães, babás e trabalhadoras domésticas. Sem uma divisão justa das tarefas, o modelo de homeoffice torna-se um pesadelo, já que se virar nos trinta é o principal na rotina.
E como é ser mãe solo nessa história toda?
Para dificultar ainda mais essa lógica, é muito comum que os filhos fiquem sob responsabilidade completa da mãe em momentos de separação ou mesmo antes do seu nascimento. Só nos primeiros seis meses de 2020, mais de 80 mil brasileiros não tiveram o nome do pai em registros de nascimento, de acordo com a Associação Nacional dos Registradores Civis de Pessoas Naturais (Arpen Brasil).
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estima 57 milhões de lares chefiados somente por mulheres. A maioria (61%) das mães solo no país é negra. E entre os domicílios compostos por mulheres negras com filhos de até 14 anos, 63% se encontram abaixo da linha de pobreza.
No projeto Mães em Quarentena, 26% das participantes era família monoparental ou divorciada. Dessas, 97% estavam trabalhando em casa e 2% tinham guarda compartilhada. Enquanto na pesquisa, as mães em geral já relataram assumir a maior parte (60% a 70%) de todas as atividades de cuidados com a casa e crianças, no caso das mães solo, esse percentual era de 90% a 100%. Somado o excesso de trabalho em casa, muitas vezes elas têm que lidar com a falta de empatia de não vive sua realidade.
“Quando insisti que não poderia trabalhar no final de semana porque estaria ocupada com a casa e com o meu filho, sou mãe solo e estava sem rede de apoio, minha minha chefe respondeu de forma irônica (por escrito): “Que vida boa!” (relato de uma das mães participantes do projeto)
Na falta de políticas públicas e redes de apoio, as mães solo vão se virando. Conversando com algumas, é possível perceber que elas tentam equilibrar os pratinhos para se manterem sãs e continuarem a cuidar das crianças. Elas se juntam a outras mães e tentam se fortalecer para seguir suas vidas e na tentativa de transformação dessa realidade que às vezes parece ignorá-las.