Desde o período colonial, as mulheres negras ocupam a base da pirâmide social no Brasil. E a má notícia é que essa estrutura desigual continua se mantendo e sendo reforçada pelo contexto pandêmico-econômico atual. Mas existe uma perspectiva que pode nos ajudar a transformar esse cenário.
Pandemia como um agravador das desigualdades
A pandemia agravou a diferença entre a taxa de desemprego entre brancos e pretos, que atingiu o pior nível desde 2012, segundo o IBGE. Enquanto o índice para pretos está em 17,8% e para pardos, 15,4%, a taxa para brancos fica em 10,4%.
A pandemia atingiu principalmente as atividades com maior participação da população negra e parda: comércio, trabalho doméstico, serviços e construção civil. O impacto também foi grande no setor informal, que é composto majoritariamente por pessoas negras. E dentro do grupo de pessoas negras, as mulheres foram as mais afetadas.
As medidas restritivas, dentro do cenário pandêmico, favoreceram para que fossem elas que sentissem um impacto ainda maior, tanto dentro como fora de casa. A pesquisa Sem Parar (da Gênero e Número em parceria com a Sempreviva Organização Feminista – SOF), apontou que, durante a quarentena, metade das mulheres brasileiras passou a cuidar de alguém. Uma sobrecarga ainda maior das responsabilidades sobre o cuidado, afetando mulheres que antes podiam contar com uma mínima rede de apoio.
O quadro se repete no ambiente empresarial
EDe acordo com dados do Caged para a Alma Preta Jornalismo, em 2020 as mulheres negras representaram somente 6,6% das contratações para cargos de liderança em São Paulo. De maneira geral, são poucos os cargos de liderança, ocupados por pessoas negras, principalmente mulheres e mães. O racismo institucional atua dentro de todas as organizações, marginalizando trabalhadores pretos e pardos, subalternizando sua mão de obra. No fim de 2020, a empresa Triwi Marketing Digital fez uma pesquisa sobre o percentual de população negra no quadro de funcionários de algumas organizações.
Segundo o relatório, cerca de 24% das empresas entrevistadas não possuem mulheres negras no quadro de funcionários, o que equivale a 1 em cada 4. Além disso, 27,4% das empresas entrevistadas possuem um quadro de funcionários com 51% de mulheres, e 53,2% das empresas contam com até 30%. No entanto, em relação ao percentual de mulheres negras, quase metade das empresas entrevistadas contam com até 10% do quadro de funcionárias representado por mulheres negras, e apenas 3,2% contam com mais de 51% de funcionárias negras.
Origens de uma história mal construída
O que faltam são espaços formais para mulheres negras obterem renda e sustentarem suas famílias. Mas essa falta de perspectiva de inserção acompanha o Brasil desde era pós abolicionista em que, supostamente, a população negra estaria livre para exercer sua cidadania.
Sem o suporte de políticas públicas que reparem a subalternização de trabalhadoras negras, não há espaço no mercado de trabalho formal. Ainda que a maior parte dos trabalhadores informais sejam homens, as mulheres ocupam 42% da categoria. Além disso, quase 30% de todos os ambulantes no Brasil são mulheres negras.
Para enfrentar a crise financeira sem contar com o reparo de políticas públicas e privadas, é necessário coragem e arriscar-se dentro de uma estrutura que marginaliza a mão de obra preta e parda.
Aplicando uma lente diferente para as mulheres negras
A grande questão é que possuímos uma estrutura que naturaliza o lugar de vulnerabilidade da mulher negra. A reportagem Potências Invisíveis propõe uma lente de potencializar o lugar da mulher negra da sociedade.
As mulheres negras trazem em sua potência três aspectos que são essenciais para organizações de qualquer setor. Os dois primeiros falam de reputação e performance, considerando dados que comprovam que 61% da geração Z defende causas ligadas à raça e cor e que empresas com diversidade em gênero e raça possuem potencial de lucrar 25% e 36% mais respectivamente.
Mas o terceiro fator é talvez o que seja mais necessário ao nosso contexto atual: a inovação.
“Não temos o privilégio do comodismo, então essa mulher tem realmente esse paranauê que é a gênesis da resiliência e a gênesis de confrontar o sistema, de ocupar outros lugares, de repensar a economia, a sociedade e fazer do nada, da precariedade, várias coisas. ” Alpha Talks
Para essa mudança de fato acontecer, precisamos de conscientização e transformação coletiva por parte das pessoas brancas, homens e mulheres. É preciso ceder espaços de poder e entender que isso não é favor, é ter consciência de que só esse caminho é possível.