Falar de machismo e estruturas machistas é, para algumas pessoas, sinônimo de ofensa. Mas ele é mais que uma ofensa. É um mecanismo que regula os comportamentos sociais e as características de homens e mulheres. Determina quem trabalha com o que, quanto ganha cada, quem realiza as tarefas domésticas e quem tem responsabilidade de educar os filhos e filhas. E entender como isso funciona é essencial para enfrentar as estruturas machistas em qualquer área.
Entender a sociedade em que vivemos
Em primeiro lugar, o machismo está intrinsecamente ligado ao sexismo. O sexismo refere-se a práticas e atitudes que diferenciam homens e mulheres em função do gênero, presumindo comportamentos e características diferentes por serem homens ou mulheres. Já o machismo é um fenômeno cultural que enfatiza “características masculinas” e superioridade dos homens. Algumas das consequências do machismo são a violência (física, verbal e psicológica) e a noção de heterossexualidade como norma.
Trata-se de uma cultura normalizada há muito tempo, que tem sido problematizada de maneira institucional muito recentemente. Foi apenas em 1946 que a ONU foi criada e reconheceu a igualdade de direitos entre homens e mulheres.
De lá pra cá muitas conquistas foram alcançadas e também muitos retrocessos aconteceram. A evolução não é linear e perceber que estamos em um processo de transformação recente, e que precisamos nos reconhecer dentro dele, é o primeiro passo.
Analisar a organização e o contexto em que está inserida
Mas apenas reconhecer o contexto de maneira ampla não é suficiente. Cada setor e cada contexto tem suas especificidades e características que reforçam em maior ou menor grau as estruturas machistas.
No setor das OSCs, há quem diga que não há machismo, já que as mulheres predominam. Entre as pessoas empregadas em OSCs elas representam 65%. Entretanto, independente da representatividade, seria natural que mulheres e homens tivessem a mesma remuneração. Mas em média, elas recebem 85% do salário de homens.
Quando exercem as mesmas funções, os salários no terceiro setor até são equivalentes, mas as mulheres ganham menos porque as profissões nas quais elas predominam são atividades que reproduzem a divisão sexual do trabalho, como cuidados e esfera doméstica (atividades que possuem menor remuneração).
É importante, portanto, levantar dados e entender suas causas. Cada organização pode um exercício de entender não apenas a representatividade das mulheres, mas como se dá a ocupação de espaços de poder por elas.
Além disso, é necessário entender como diferentes perfis de mulheres participam da organização. Há espaço para mulheres periféricas, negras, mães, trans? Qual a representatividade de cada uma delas dentro da organização? A reflexão interna ajuda a organização a perceber onde pode começar o processo de transformação interna.
A atuação da porta pra fora
O machismo está presente dentro das organizações e também em suas práticas, sejam elas organizações da área da educação, dos esportes, da geração de renda, saúde e tantas outras.
Lidamos com estruturas que reforçam características tidas como masculinas em detrimento das tidas como femininas nas mais diversas esferas da sociedade. Por isso, é preciso observar e avaliar como são feitas ações para enfrentar esse machismo.
Se essa temática não é discutida internamente ou não existe um posicionamento claro sobre isso, pode ser um sinal de falta de endereçamento. A dica é começar a tatear o setor e identificar aliados.
Algumas práticas que podem ajudar são: participar de redes que atuam na temática dos direitos das mulheres, identificar de que forma fornecedores e parceiros atuam ou não com uma lente de gênero e perceber vieses inconscientes nos serviços prestados às diferentes comunidades ou público-alvo.
Arriscar, agir para transformar
E para além de se perceber individualmente e perceber a organização interna e externamente, é essencial agir. É o que vai realmente provocar mudanças. E agir significa assumir o compromisso de atuar na temática. Pode ser um começo com palestras, conscientização de equipes ou um projeto específico, mas é nesse começo que os aprendizados e os frutos dão incentivo para continuar.
É desafiador porque rompe estruturas, mas atuar com a ótica de gênero na atuação social definitivamente potencializa o impacto das ações e permite que as transformações sejam mais duradouras.
Além disso, trata-se de uma pauta que tem ganhado cada vez mais visibilidade e que potencializa inclusive o acesso a financiamento e retenção de talentos.
* Este texto foi originalmente publicado no Portal do Impacto, por meio da nossa parceria com a Phomenta. Publicamos também os textos O acesso é diferente para homens e mulheres? e Terceiro Setor: por que as mulheres são maioria?.